Estrelinha...

Às vezes penso que sou uma pessoa particularmente sortuda. Pelo menos, momentos houveram em que fiquei com a sensação de que uma estrelinha da sorte me acompanhou já que me safei à justa de situações no mínimo arrepiantes sem qualquer consequência.

A 1 de Abril 1993 (até parece mentira!) estava eu placidamente no mítico salão de jogos "Las Vegas" a jogar snooker com um grupo de amigos que ainda hoje o são, quando ouvi um estrondo vindo da direcção da porta do estabelecimento. Ao olhar, ainda tive tempo de ver uma mulher cair completamente desamparada frente a um indivíduo que segurava uma caçadeira fumegante. Num acesso de raiva, acabava de disparar à queima roupa contra a mulher que era sua vizinha de cima.

Não sei quantas vezes repeti bem alto "Ele deu-lhe um tiro!" enquanto apontava para a porta mas depois tomei consciência do pânico que se apoderou de todos os que na altura se encontravam no salão de jogos.

Como se nada fosse, o indivíduo foi guardar a caçadeira numa arrecadação e voltou a entrar em casa fechando a porta atrás de si. Enquanto isso, no salão de jogos, tentávamos desesperadamente pedir ajuda a bombeiros, PSP ou GNR. Devido ao dia (1 de Abril) todos nos "despachavam" com recomendações para que evitássemos brincadeiras de mau gosto e com censuras. Lá fora, junto à porta, a mulher esvaia-se em sangue entre espasmos. Se poderia ter feito a diferença, certo é que a ajuda chegou tarde demais.

Durante 5 dias tive pesadelos nos quais revia a caçadeira, a mulher caída e o sangue. Quando finalmente consegui pensar de forma relativamente insensível sobre o assunto fui acometido de um súbito pensamento: "O que me teria acontecido se, por algum motivo, a mulher se tivesse desviado da linha de tiro?". Ainda hoje penso nisso e, para quem conhece essa minha faceta, é por isso que ainda hoje não sigo certas "tradições" associadas ao 1º de Abril. Ainda hoje penso que tive sorte.

Passaram-se anos até chegarmos a Agosto passado quando sem esperar me vi metido no combate ao incêndio que devastou a Serra da Gardunha no primeiro fim-de-semana desse mês. Juntando-me a um grupo de 7 outras pessoas, lutámos contra uma frente de incêndio durante 7 horas para proteger a pequena aldeia de Vale de Urso tendo segurado cerca de 2km apenas com pás e ramos.

O momento mais crítico aconteceu por volta das 5 da manhã quando, em fracções de segundos apenas, fiquei isolado do resto do grupo pelo fogo que subitamente me cortou o caminho. Apenas ouvia a voz do meu pai do outro lado de uma parede de fogo que me gritava para que fugisse. Ao ver-me naquela situação, perante o isolamento e o ruído semelhante ao de uma enorme catarata do incêndio que se aproximava de mim, e após um instante de completo pânico, fui acometido de uma certa incredulidade e de algum conformismo, e nesse momento pensei "Não acredito... Vai ser aqui e vai ser assim!". Depois a raiva sobreveio e decidi correr ao longo do caminho que curvava na direcção do incêndio para tentar encontrar um caminho que me levasse para longe do incêndio.

Não sabia como estava a situação na base do monte (encontrávamo-nos a meia encosta) mas, como conhecia bem a região, sabia que se encontrasse um caminho que me levasse para a esquerda, iria ser conduzido até ao fundo do vale onde encontraria a ribeira. Iluminado pelo incêndio que chegava mais perto, encontrei passados cerca de 100 m uma picada que cortava para a esquerda. Pouco depois, com algumas ameças de queda pelo meio, a picada terminava e aí percebi que já me tinha afastado do incêndio pois não via um palmo à minha frente. Apenas distingui a copa das árvores no céu nocturno fazendo um círculo ao meu redor. Apalpando o terreno e usando a luz ténue do meu telemóvel, consegui passar pela parede de arbustos e, pouco tempo depois, já me encontrava na encosta oposta do vale, tendo chegado à estrada.

O resto da história já é conhecida: encontrei um jipe de bombeiros e voltei ao local onde ainda se encontravam os meus camaradas, à cabeça de uma coluna de 3 auto-tanques que acabaram por extinguir a frente de incêndio. Só então percebi que a claridade das 7h da manhã já deixava ver o cenário de devastação que acontecera na Gardunha nessa noite.

Mas porquê falar disso hoje? Talvez pelo que me aconteceu hoje de manhã por volta das 8h. Enquanto saía para o trabalho, abri o portão da cerca da propriedade dos meus pais para poder tirar o carro. Tendo de voltar a fechar o portão, mal saí, travei para imobilizar o carro e assim poder sair. Então aconteceu: senti subitamente o pedal de travão a ceder e o carro estacou. Não liguei e fechei o portão. Quando tentei voltar a arrancar com o carro, este recusou-se e só então percebi que a roda dianteira do lado direito ficara pura e simplesmente bloqueada, enquanto que o pedal de travão deixara de responder.

Chamei o meu mecânico para ver o que se passava e dirigi-me para a escola ao volante do mítico Caetanomobile que estava haviam já 3 semanas a enferrujar nas traseiras da casa. Uma hora depois, como planeado, estava a caminho da Guarda pela A23.

No regresso, fui ver se o mecânico já tinha um diagnóstico do que tinha acontecido e, qual não foi o meu espanto quando este me disse que o problema tinha sido causado por uma pastilha de travão colocada ao contrário que tinha desgastado completamente o disco de travão. Ao fazê-lo, passou para o lado oposto do disco e pura e simplesmente prendeu a roda.

Tivesse acontecido uma hora depois do momento em que aconteceu e eu estaria a conduzir a cerca de 120 km/h na autoestrada. A partir desse momento no mínimo a minha vida nunca mais seria a mesma.

Inquietante foi também a explicação aventada pelo vendedor que me forneceu o jipe: segundo ele, um concorrente não teria gostado do facto de ele ter ficado com o veículo e então "desejou"
que algo de mal lhe acontecesse no caminho de regresso.

Tive sorte, acho eu.

Comentários

Nuno Agapito disse…
Dava para me arranjares um tufo do teu cabelo para fazer de amuleto da sorte???
JFFR disse…
:)