Laivos de Opressão

O artigo sobre praxes motivou alguns comentários entre os quais destaco o da Cláudia que pela sua relevância, aqui merece ser publicado.

Numa democracia todos somos livres, no entanto existem quase governos paralelos que são muitas vezes manipulados por ditadores que raramente deixam os outros agir livremente e não interessa que tenham escrito na constituição “és livre de dizer não”. As formas de coação são variadas.

Não haverá altura mais conveniente para falar deste assunto do que precisamente, o começo da ano lectivo. Refiro-me claro está, às praxes. Para justificar o meu conhecimento de causa, para que não seja isso posto em causa mais à frente, identifico-me já como estudante na Escola Superior de gestão do Instituto Politécnico de castelo Branco e, apesar de com a categoria de trabalhadora/estudante essa vaga das praxes não me afectar muito, a mesma situação não aconteceu quando fui “caloira” na UBI e a indiferença perante o que se passa no meio académico já não me satisfaz.

Este meu ressabio começou com uma simples pergunta a uma colega de turma, tenra jovem de 17 anos que foi “É verdade que vos proibiram de falar com quem não aderiu às praxes?” e para meu inconformismo a resposta foi “sim, disseram-nos para não falarmos aos ” e este curto diálogo levou-me a dissertar.

Gostava primeiro de esclarecer o que é anti. Um “anti-praxe” é supostamente contra as praxes, no entanto não se opõe que os outros participem nela, não obriga ninguém, sob nenhuma forma, a aceitar ou a realizar uma praxe. O inverso já não acontece. Como referi no parágrafo atrás, incitam os colegas a tratar outros de forma diferente só porque têm ideias distintas de como deve ser feita a integração na vida académica. Para reforçar a ideia, uso um exemplo exagerado: Hitler era antijudaico, no mais verdadeiro sentido da palavra. Não respeitou, não tolerou e achou que a solução passava por chacinar todos os judeus. Pergunto-me o quão diferente serão estas formas de racismo, porque sim, é de racismo que vou falar.

Ainda usando Hitler como exemplo vemos que um, e somente um homem conseguiu influenciar milhares e faze-los acreditar que a diferença que havia entre dois povos era de faço relevante para a humanidade. Se um homem influenciou milhares não conseguirão centenas influenciar dezenas?   

Todos os anos o rácio de alunos é de centenas de alunos veteranos para dezenas de caloiros, veteranos esses cujo o único poder que têm é de moldar mentes, pois assim como qualquer adulto verga a vontade de uma criança de 6 anos, mais facilmente alguém com um pouco mais de à vontade consegue manipular a mente de um adolescente (porque não me venham dizer que aos 18 anos se é adulto!), principalmente quando esse está debilitado, sozinho, sem amigos, longe de casa, sem o apoio familiar com que sempre contou e anseia portanto por aceitação no novo meio. Mais facilmente vergará esse adolescente (apesar de nunca ser obrigado a nada) do que qualquer outro animal e creio que isso não é difícil de entender. 

Nesse processo de aceitação é-lhes incutido então a ideia de racismo através de chantagem porque se não participarem nas praxes serão socialmente excluídos e como tal deve também excluir os anti-praxe. Tudo isso me soa muito estranho já que no mundo académico se devia antes fomentar o trabalho de equipa e companheirismo mesmo entre pessoas com ideais diferentes, porque afinal de contas é a diversidade de opinião que nos enriquece enquanto humanidade, mas em Portugal incentiva-se mais este “racismo autorizado” e no meio académico é muito bom ver que se pode conviver amigavelmente com um negro, um democrata, um Jeová, um cigano, um católico ou até mesmo um monarca mas nunca se aceitará uma pessoa que não acredita que o melhor modo de se integrar no meio académico são as praxes. Nisso é que não se podem contrariar!

Quem está a ler isto já pensou no mínimo meia dúzia de vezes na frase “Mas é a tradição.” E eu tenho a dizer que realmente seguir os hábitos e costumes dos nossos avós seria interessante e lembro-me que no tempo dos meus avós as mulheres ficavam em casa e os homens iam trabalhar para o campo. No tempo dos meus avós as mulheres casavam virgens! No tempo dos meus avós, eles próprios não estariam a ler isto porque simplesmente não sabiam ler e no tempo dos meus avós um esmagador número de estudantes universitários não o seriam, simplesmente porque teriam que trabalhar no campo ou ajudar as mães nos afazeres domésticos. Olhando ainda mais para trás, as praxes sempre andaram de mão dada com a violência tendo chegado a ser proibidas por meados do século XIX pelo facto de terem ocorrido mortes. Até onde temos que chegar desta vez?

Não deixo também de dizer que a tal integração académica, que todos dizem ser o derradeiro objectivo das praxes, é feita esmagadoramente através do consumo abusivo do álcool (e infelizmente não só) e pergunto-me se esse é mesmo o exemplo e o modo de vida a seguir por quem em breve, esperançosamente, exercerá por todo o país cargos de responsabilidade superior. Afinal bons líderes não devem ser exemplares? Recorrer a álcool é exemplar? Talvez isso nos responda um bocado ao facto de em Portugal existirem muitos chefes em vez de líderes. Muito quem mande, e pouco quem faça, porque já desde cedo, desde as praxes académicas, há mais quem praxe do que praxados e nós, eventual mão de obra formada, esclarecida, entendida continuamos a aceitar que se criem barreiras e que se fomentem ideias de desigualdades entre aquilo que devia ser uma equipa unida. Só mesmo em Portugal para haver hierarquias TAMBÈM entre estudantes, quando que no fundo não passam TODOS disso mesmo.

Será então correcto a abolição do termo anti-praxe já que verdadeiramente esse termo não se aplica a ninguém e será correctíssimo fomentar o respeito e a “boa tolerância” entre todos em vez de se apoiarem pequenos “Hitler’s” e se permitirem dissimuladas formas de racismo. Essa tal coisa das praxes não existe certamente em nenhum país do G8, mas existe com forte valorização em Portugal e pergunto-me se a nossa mentalidade não terá que evoluir nesse sentido de respeito, igualdade e menos, muito menos hierarquias, menos chefes e mais lideres para que também o país possa evoluir. Analisando bem, pouco longe estamos do século XIX e talvez seja melhor chamar D. João V para por freio nisto já que não temos sensibilidade ou inteligência suficiente para o fazermos por nós próprios.

O meu último recado vai para os ditos caloiros. São mesmo livres de dizer não! As represálias só existem enquanto se continuar a corroborar com o sistema. Não têm que se sentir humilhados, maltratados ou inferiorizados para se integrarem em lado nenhum, para isso basta serem vós próprios para, como já dizia Saint-Exupéry, conseguirem criar laços. Sintam-se livres e tenham a coragem, se esse for o caso, de dizer “Eu não acredito em praxes.”

Comentários