Depois da Vida - Verdade ou Mentira?

Não, Júlia Pinheiro já não apresenta o programa apesar de ser dona de uma voz que, por si só, era capaz de acordar os mortos.

Peguem numa plateia expectante e em convidados famosos, coloquem-nos num cenário à média luz preenchido por uma música de fundo inquietante e no qual são invocados os espíritos dos falecidos para comunicar com os presentes, através da voz da médium inglesa Anne Germain. Eis os ingredientes do programa televisivo “Depois da Vida”, transmitido pela TVI às Sextas-feiras à noite.

Há dias, após expressar a minha estranheza pelo facto de todos os espíritos invocados saberem falar inglês, deixando-me na dúvida se, querendo tirar um curso de inglês, seria mais eficaz e económico inscrever-me no Wall Street Institute ou simplesmente falecer, lançaram-me o desafio de assistir ao programa. Assim o fiz e do que vi, tirei daí as minhas ilações, partindo do pressuposto que tanto os convidados como a plateia não tinham qualquer associação com a produção do programa, algo que não seria inédito neste tipo de formato.

Essencialmente, o “Depois da Vida” não passa de mais um programa, tão típico da TV portuguesa mas especialmente da TVI, onde os sentimentos humanos são vendidos como mercadoria, perante a sofreguidão dos telespectadores, sejam quais forem as proporções de voyeurismo e crença na sua motivação para assistir, muitas vezes resumindo-se a mera curiosidade mórbida.

Aquilo que Anne Germain faz, é simplesmente por em prática a sua tremenda capacidade de observação, associada a uma grande expressão dramática, para, baseando-se em informações que à partida já detém sobre as pessoas com quem fala, criar a ideia de que está a comunicar com espíritos. Melhor que tudo, leva as pessoas a acreditar que as informações que está a revelar são informações precisas e do foro íntimo quando na verdade são de conhecimento público.

Aí reside a tal capacidade de expressão dramática que, confesso, admiro na suposta médium. Por outro lado ela também consegue direccionar o seu discurso em função das reacções que vai obtendo das pessoas com quem fala, revelando a tal extraordinária capacidade de observação.

Vejamos por exemplo o caso específico de José Augusto Sá, um dos convidados do último programa, e responsável pela associação que pretende perpetuar a memória das vítimas do desastre ferroviário de Alcafache (11/9/1985).

No seu papel de intermediária entre Augusto Sá e o “mundo espiritual”, Anne Germain refere a presença de inúmeros espíritos, destacando-se 4 em particular que a médium revela serem respectivamente o pai, a mãe, a madrasta e a irmã do convidado.

Em que se apoia o seu discurso? Em relatos superficiais, dizendo o que as pessoas querem ouvir, e em afirmações cujo único propósito é comover o convidado para criar um duplo efeito: por um lado retirar-lhe presença de espírito e, por outro lado, criar um impacto mais forte nas pessoas que assistem. Dizer algo como “Sei que tiveste de te tornar adulto muito cedo” a alguém que perdeu a mãe aos 9 anos ou ainda “Sabemos que estaremos sempre no teu coração” a alguém que sente saudades dos seus familiares chegados que faleceram, não pode ser aplicado a praticamente toda a gente nas mesmas circunstâncias?

A mente humana tem esta incrível propensão a pegar em generalidades e em criar padrões particulares onde depois as vai encaixar, um pouco como acontece na leitura do horóscopo. Esse efeito cresce exponencialmente se lhe juntarmos o ingrediente mágico: a crença.

Sejamos francos… a imprensa cor-de-rosa e o Google são uma tremenda fonte de dados que dispensam os espíritos quando se trata de prestar informações. Eu próprio demorei apenas 2 minutos a encontrar a informação necessária para sustentar esta “entrevista” aqui, aqui e aqui.

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