O dia em que se roubou por piedade

O que é um ladrão? Qualquer pessoa que se preze (que não pertença a esse segmento profissional específico) responderá que o ladrão consiste num indivíduo que, estando ou não munido de armamento pirobalístico ou cortante, intervém na área de aquisição coerciva de património próprio, em detrimento dos interesses do próximo. Ora, convenhamos, isto é uma imagem que se nos afigura pouco simpática. Contudo nem sempre foi assim e tempos houve em que as motivações dos larápios eram outras!

Quem conhece a cidade de Coimbra conhece com certeza o Aqueduto de São Sebastião, também conhecido como dos Arcos do Jardim. Este aqueduto possui sobre um dos arcos uma estátua de São Sebastião, um santo católico que me lembra inevitavelmente um boneco de vodu.

Ora, corria já a segunda metade do século XIX quando a cidade acordou uma bela manhã em estado de choque. A estátua de São Sebastião havia sido vítima da acção de larápios que, a coberto da noite, haviam trepado ao aqueduto, e depois ao corpo do santo, e retirado as flechas de prata que no corpo deste estavam cravadas desde há séculos.

Soube-se mais tarde que os autores de tão audaz façanha haviam sido três estudantes da faculdade de Direito, Adolfo Paiva Pereira Capon, Eduardo Montufar Barreiros e Eduardo Segurado, que anteriormente já haviam também conseguido a proeza de roubar o badalo do "Cabrão", um dos sinos da Universidade de Coimbra.

Se o roubo das flechas cravadas no corpo de São Sebastião foi denunciado como sacrilégio ou vil acto de ganância, consoante a religiosidade dos ofendidos acusadores, o que é certo é que o móbil do crime foi apenas e só... a piedade. Pelo menos assim o dava a entender a inscrição que deixaram sobre o ventre do santo, agora aliviado de tão dolorosos apêndices, e que dizia simplesmente "Basta de sofrimento!"

Um beijinho de agradecimento à Isabel Anjinho por partilhar este episódio no grupo do Facebook "Cromos", Personalidade e Estórias de Coimbra (de onde foi aliás retirada a foto).

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