Crónica de uma manhã surreal

Quando acordei estremunhado na última manhã de Sábado, estava convencido que aquela iria ser uma manhã sem grandes aborrecimentos. O carro tinha sido devidamente reparado, para garantir que iria trocar um boletim cor-de-rosa por um verde no centro de Inspecções, após o que iria dar um rápido salto ao cabeleireiro para um corte de boas-vindas à Primavera. O que poderia correr mal? Tudo!

O percurso até ao carro foi feito a passo lento, o suficiente para permitir à cafeína ter um efeito considerado satisfatório no organismo. Junto ao carro, alguns pedaços de plástico estavam espalhados pelo passeio, facto que me levou a formular um pensamento de censura para com o desleixo de alguns habitantes na via pública.

Foi já dentro do carro que, após o rodar da chave e alguma insistência terem conseguido pôr o motor a trabalhar, ao olhar para o espelho retrovisor do lado direito, percebi que o espelho... não estava lá! Claro que essa ausência veio finalmente trazer-me uma perspectiva totalmente diferente sobre a natureza dos pedaços de plástico que eu avistara junto ao carro.

Aparentemente, pelo que vim a saber depois, alguns cidadãos haviam decidido sair de casa na noite de Sexta-feira, para aliviar o stress intenso das preocupações da semana e, por uma questão de precaução, haviam também decidido deixar os neurónios em casa, não fosse o diabo tecê-las e perderem-nos na confusão da noite do Fundão. Foi portanto com a frescura de espírito de uma ameba lobotomizada por jardineiro amblíope que se encontra ainda sob o efeito da anestesia, que decidiram que, não só o meu carro, mas todos os veículos que se encontravam nas imediações, não precisavam de espelho retrovisor. Gabo a paciência e o esforço deste valoroso grupo de cidadãos.

Foi portanto sem grandes esperanças, que fui até ao centro de inspecções e perguntei ao primeiro funcionário que encontrei se valia a pena sequer meter o carro na fila. A resposta negativa não me surpreendeu e fiz-me de novo à estrada, desta vez rumo ao posto da GNR. Foi aí que confirmei que várias pessoas haviam já apresentado queixa nessa manhã e que o melhor que eu teria a fazer seria anexar um orçamento ou uma factura à queixa, razão pela qual decidi não a fazer de imediato.

Quando me preparava para sair, os meus olhos passaram pelo placard atrás do soldado da GNR com quem falava e, para minha abismal surpresa, reconheci a fotografia que preenchia um aviso de pessoa desaparecida que aí se encontrava afixado! Tratava-se de uma ex-aluna minha do 1º semestre deste ano lectivo. Da conversa fiquei a saber que tinha sido a escola a comunicar o desaparecimento da aluna, de cujo paradeiro ninguém sabia havia já alguns dias. Após ter fornecido as informações de que dispunha, que pouco ajudarão ao caso, saí do posto ainda a tentar encaixar esta última triste novidade que, à data deste artigo, continua actual.

Vá lá que nem tudo foi mau nessa manhã. Pelo menos não perdi nenhuma orelha no cabeleireiro. 





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