Os Portugueses que foram a Malta II - Valletta, a singular capital de Malta

Valletta - Google Maps.


Valletta, a capital maltesa, é uma cidade que foi construída de raíz, a partir de 1566, para cimentar em definitivo o estabelecimento da Ordem de São João (os antigos Cavaleiros Hospitalários) no arquipélago. É uma cidade singular e, tendo quase 450 anos, o limite da cidade permanece praticamente inalterado desde a sua fundação. Mas nem só os 7.000 habitantes se escondem atrás das muralhas. Ao caminhar pelas ruas de Valletta, descobrimos várias histórias e factos curiosos como por exemplo o laço profundo que une as raízes desta cidade a Portugal. Houve ainda tempo para momentos de convívio com um animado grupo de pessoas de várias nacionalidades com o Geocaching como actividade comum. 

Valletta. A heterogeneidade da altura das construções faz a cidade parecer caótica quando na verdade as ruas seguem uma planta ortogonal, como acontece com a Baixa Pombalina de Lisboa.


Uma cidade construída com o apoio de Portugal

Para compreender Valletta (em maltês pronuncia-se "Valéta") é preciso em primeiro lugar conhecer o que levou à sua construção. Resumidamente, depois de ter testemunhado a passagem de fenícios, gregos, cartagineses, romanos, vândalos, bizantinos, árabes, normandos, angevinos, suábios, aragoneses e espanhóis, e antes da chegada da França napoleónica e ainda da Commonwealth britânica, o arquipélago de Malta foi cedido à Ordem dos Cavaleiros de São João, a antiga Ordem dos Hospitalários (que nos deixaram por exemplo, aqui bem perto, o Castelo de Belver) em troca do pagamento simbólico anual de um falcão à coroa espanhola.

A Ordem estabeleceu o seu quartel general na cidade portuária de Birgu (ver artigo anterior) em  1530 e pouco tempo teve de sossego. Depois de várias ameaças, em 1565 chegou à ilha um exército turco de 40.000 homens, disposta a erradicar este espinho cristão no centro do Mediterrâneo, então defendido por 8.000 homens. O Grande Cerco, como é conhecido, durou 4 meses e os turcos acabaram por retirar. A situação dos vencedores não ficou contudo muito risonha pois toda a zona do grande porto não passava de uma amálgama de ruínas, incluíndo Birgu.

A Ordem decidiu construir uma nova cidade-sede, numa península desabitada diante de Birgu onde apenas existia o Forte de Sant'Elmo, que durante o cerco tinha sido tomado pelos turcos, e que se encontrava reduzido a um amontoado de pedras. Lançado o apelo à Cristandade, depressa começaram a chegar donativos para as obras necessárias, inclusive de Portugal. D.Sebastião, que na altura já sonhava com a grande empreitada de construção de um império cristão no Norte de África (que haveria de chocar de frente com a realidade em Alcácer-Quibir), enviou a soma de 30.000 cruzados

A nova capital foi baptizada em homenagem ao herói Grande Cerco, o Grão-Mestre da Ordem, Jean de La Vallette.

O reconstruído e melhorado Forte de Sant'Elmo, na extremidade da península de Valletta.


Uma subida a pique com 58 metros!

Usufruindo dos fundos de coesão da União Europeia, Malta requalificou inúmeros locais históricos, reabilitando-os e dotando-os de novas infraestruturas. Para além das omnipresentes muralhas e da persistente tonalidade do calcário, nesta altura também as gruas e os andaimes são uma constante da paisagem.  

Junto ao cais, é possível ver vários navios de cruzeiro alinhados à volta dos quais circulavam os minúsculos barcos-táxi, tanto os mais modernos, de cor amarelo, como os mais tradicionais "Dgħajsa", que como as restantes embarcações pesqueiras típicas, são decorados com olhos, um hábito herdado dos fenícios, segundo consta.

O Dgħajsa no qual atravessámos o Grande Porto, junto a um dos paquetes ancorados no cais de Valletta.


Junto ao cais, a altura das casas é ultrapassada pela dos paquetes que, temporariamente, ganham o estatuto de edifícios mais altos de Valletta.

Para quem chega pelo cais, o acesso mais fácil e rápido à cidade é através do impressionante elevador construído no fosso das fortificações. Curiosidade: para aceder ao elevador é preciso adquirir um bilhete de 1€ que refere "Ida e volta". No entanto, quem abordar o elevador a partir do topo descobre que afinal não tem de pagar nada para descer. Afinal no bilhete deveria constar "Ida e volta (se quiser)". A viagem de estreia, sobretudo no sentido descendente, causa algum "frisson", dada a súbita aceleração inicial mas a vista compensa bem.

O elevador permite o acesso directo aos Upper Barrakka Gardens, uma zona ajardinada e polvilhada de memoriais, situada na parte mais alta das muralhas e com vista privilegiada para o Grande Porto. 

Visão nocturna do impressionante elevador que liga a cidade de Valletta à zona do cais. Uma estrutura de betão e alumínio com 58 metros de altura, com duas cabines com capacidade para 21 pessoas cada.


Dos jardins de Barrakka, avista-se o Forte de Sant'Ângelo na extremidade da península de Birgu, cidade rebaptizada de Vittoriosa após a resistência ao Grande Cerco. O forte é hoje propriedade da Soberana Ordem Militar de São João, descendente indirecta dos antigos governantes de Malta. É o único território do arquipélago sobre o qual o governo maltês não tem jurisdição.


Num patamar inferior, encontra-se a Bateria de Saudação de onde, um pouco à semelhança do que acontece em Edimburgo (recordar aqui) todos os dias ao meio-dia é disparada uma salva de canhão.


As ruas de Malta, que seguem um traçado ortogonal, são muito peculiares. As principais, que seguem no sentido longitudinal da península, parecem intermináveis ao passo que as perpendiculares usam e abusam dos degraus, sobretudo nas zonas mais periféricas.

Antes de nos embrenharmos a sério nas ruas, vale a pena passar pela zona mais nobre de Valletta, onde é possível encontrar os vários edifícios governamentais e a grande co-catedral de São João, o patrono da Ordem.

A longa Rua de São Paulo ou, como se diz em Malta, Triq San Pawl.

A Co-Catedral de São João nasceu com a cidade, tendo funcionado como igreja conventual da Ordem de São João. É um enorme edifício em estilo barroco cujo interior está luxuosamente decorado e contém uma impressionante colecção de pinturas de Caravaggio. No seu interior jazem cerca de 400 cavaleiros e outros membros da Ordem.

A fachada principal da Co-Catedral domina a bela Praça de São João ou, como se diz em maltês, Misrah San Gwann.

A nave central da Catedral, ricamente decorada. Tem tanto dourado que quase justifica o uso de óculos escuros, se bem que a senhora que se encontra à entrada, distribuíndo lenços e saiotes para as senhoras mais destapadas e ainda recomendando que os turistas mais distraídos tirem o chapéu ou boné, não iria certamente aprovar o dito acessório.


O chão da catedral está repleto de sepulturas magnificamente decoradas com mármores de várias cores. 


Saíndo da Catedral, os edifícios estatais sucedem-se. O maior é o antigo Palácio do Grão Mestre, actual residência do Presidente da República e sede do Parlamento maltês.

Balcão corrido do Palácio do Grão Mestre.

Pormenor de uma das esquinas do Palácio do Grão Mestre.


Valletta: ruas, becos e balcões. Muitos balcões!

Disse uma vez Lord Byron que Malta "é uma ilha de gritos, sinos e cheiros". Ao passear pelas ruas de Valletta fica-se com a certeza de que essa descrição, feita no século XIX, continua actual, embora talvez com maior ruído de fundo da presença de tantos turistas do que então. Os malteses são geralmente abertos e descomplexados nas suas conversas, muitas vezes feitas de janela para janela, até de um lado ao outro da rua, e se há coisa que é digna de se ver e ouvir, pela gestualidade e sonoridade, isso será sem dúvida uma discussão entre malteses. É claro que não se percebe nada da conversa, afinal o maltês é muito semelhante a árabe falado com entoação italiana e um ou outro apontamento de inglês.


Saíndo das ruas principais, entra-se noutro Mundo, muito mais típico e genuíno, rico em pormenores. Neste caso uma senhora, num terceiro andar provavelmente sem elevador, recolhe uma encomenda que lhe foi deixada por dois jovens.


Um estacionamento improvável num beco.

Em termos arquitectónicos não há nada mais típico em Malta que o inconfundível balcão maltês ou, como se diz por lá, "Il-Gallarija Maltija". Diz-se que o primeiro exemplar terá sido instalado no Palácio do Grão Mestre, popularizando-se a partir daí o seu uso mas ainda há dúvidas sobre a sua origem, sendo possivelmente o resultado da influência dos inúmeros escravos de origem turca que por aqui viveram. Certo é que estes balcões definem a paisagem urbana de Malta de tal forma que existem subsídios estatais destinados a apoiar os particulares que decidam restaurá-los.


Os balcões de madeira e vidro podem ser turcos ou não mas nas portas parece nitidamente haver influência britânica.


Vira-se a esquina e -surpresa!- descobrem-se mais balcões.


Um edifício relativamente recente cheio de balcões.

Passando para o outro cais, no lado oposto da cidade, o panorama é bastante diferente. Do outro lado do porto, avista-se um aglomerado de prédios mais "modernos" da localidade de Sliema, logo atrás de uma pequena ilha fortificada que é também ela (mais) uma evocação de Portugal. No próximo artigo direi porquê. Aos pés das muralhas de Valletta, descobre-se um pequeno cais de ferries, uma zona de recreio e uma piscina de pólo aquático.

Entretanto, com o chegar da noite, chegou também a hora de regressar ao cais do Grande Porto. Esperava-nos lá um animado grupo de desconhecidos com o qual nos iríamos encontrar graças ao GPS.


As muralhas do lado Noroeste de Valletta, com a catedral anglicana e a igreja das Carmelitas em destaque. Junto ao cais dos ferries que ligam a cidade ao outro lado deste porto, o porto dito de Marsamxett, avista-se a piscina de polo aquático do Valletta United.



No regresso ao centro cidade, agora pela entrada principal, fica bem visível a dimensão das muralhas (actualmente em obras). Os dois cubículos sanitários ajudam a fazer a escala.


O nosso primeiro encontro internacional de Geocachers 

O Geocaching (se não sabem o que é isto, cliquem aqui) não é só acerca de procurar "tesouros" escondidos, acontecendo também muitas vezes encontros de geocachers. A organização é simples e assemelha-se em certos aspectos a uma flash mob. Qualquer praticante pode organizar um evento. Basta definir o dia, a hora e as coordenadas geográficas do mesmo e publicá-las para conhecimento dos outros praticantes.


Neste caso, uma vez que tomámos conhecimento da ocorrência de um encontro durante a nossa estadia em Malta, decidimos ir até lá. As circunstâncias ditaram que o encontro fosse peculiar já que o encontro decorreu no cais dos navios de cruzeiro, nos quais muitos dos participantes viajavam. Como há um gradeamento a separar o cais da rua, muitos dos participantes acabaram por ficar do outro lado desse gradeamento, o que não obstou a um belo momento de convívio e uma animada conversa (a possível vá, dadas algumas limitações que os participantes alemães mais velhos em termos de inglês). 


Uma troika à maneira, com representação da Dinamarca, Malta e Portugal e um lancil de passeio a definir escalas.

Alemães nos dois lados da barricada.

Foi uma bela hora de conversa, com troca de experiência, grandes risadas e, claro está, troca de objectos e assinatura do livro do evento. Curiosamente, não havia nenhum checo no encontro. Segundo um hilariante participante alemão, os checos são um povo fanático por geocaching e quando um bebé nasce, traz já no currículo pelo menos 10.000 caches encontradas.


A seguir: Portugal, uma presença constante e estimada em Malta


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