Em Almeida, como há 200 anos, o castelo medieval voltou a explodir

No último fim-de-semana, a vila de Almeida, a histórica estrela de pedra sentinela da fronteira, foi palco de mais uma recriação do cerco pela tropas napoleónicas de1810. O espaço dentro das muralhas voltou ao passado, enchendo-se de comerciantes e soldados trajados a rigor e, como sempre acontece, houve lugar à encenação dos combates. No Sábado fomos até lá para assistir à batalha nocturna mas, quando menos esperávamos, o foco da nossa atenção acabou por se virar para algo totalmente inesperado.




Os comerciantes eram em grande número junto ao antigo quartel militar


Todos os anos, a vila fortificada de Almeida regressa ao século XIX. Trata-se da recriação histórica que evoca a 3ª Invasão Francesa, que aqui teve um dos seus palcos principais, desde o Combate do Côa, com a retirada quase desastrosa das tropas luso-britânicas, pela ponte que ficou intransitável devido ao amontoado de cadáveres, até ao Cerco de Almeida que, em poucos dias e graças à catastrófica explosão do antigo castelo, frustrou os planos que previam uma resistência mínima de 1 mês.

Em anos anteriores já tínhamos assistido à recriação do Combate do Côa (ver artigo e vídeo) e aos combates sobre as muralhas (ver aqui) e este ano decidimos assistir ao espectáculo nocturno. Sendo assim, lá fomos nós até Almeida e, após um jantar ligeiro, dirigimos-nos até à porta de Santo António, junto à qual iriam decorrer as actividades.

Embora os "soldados" estivessem algo distantes e, quanto a mim, numa posição pouco favorável para os espectadores (creio que uma formatura perpendicular a estes teria permitido uma melhor percepção das refregas corpo-a-corpo), o início até foi promissor. Um poderoso sistema de som permitia que os combates tivessem música de fundo e ainda alguns apontamentos por parte de um narrador que, muito bem, foi explicando o contexto da invasão e revelando alguns detalhes do armamento e das tácticas militares da época.


Os combates sobre o baluarte da porta de Santo António. Sucederam-se as salvas de mosquete, os tiros de canhão e as cargas de cavalaria.



Os disparos antes da carga sobre o inimigo.


O pior foi quando, entre as suas intervenções, o narrador se esqueceu de desligar ou, pelo menos, de baixar o volume do microfone, permitindo que os espectadores ouvissem as suas conversas paralelas como banda sonora dos combates.


Uma banda sonora... sui generis

Assim, ao mesmo tempo que franceses e luso-britânicos iam disparando uns sobre os outros, ficámos a saber que a recriação já estava a demorar muito mais que o previsto: -"Isto já devia ter acabado mas começando a dar ao gatilho eles entusiasmam-se e é isto! No ano passado só durou 40 minutos. Daqui a 10 ou 15 minutos deve terminar", ou ainda que havia uma gritante falta de realismo na recriação, facto esse devidamente comprovado graças ao acervo fotográfico pertença do próprio narrador -"Esta malta não tem cuidado e isto acaba por não ter realismo nenhum. Tenho lá em casa um grande arquivo fotográfico e numa das fotos vê-se aquele frade que está ali em baixo, em luta acesa com um cavaleiro mas com ambos a rirem-se que nem uns perdidos". -"Olha, lá vai outra vez o frade! Não pára!", complementou uma conhecida. Falta de um encenador, segundo outro companheiro do narrador, para dirigir a batalha -"Isto sem uma voz de comando é complicado...!".

Após a batalha e a saudação mútua dos participantes, o narrador anunciou o espectáculo pirotécnico evocativo da explosão do castelo que se iria seguir. Ainda assim, o aviso não foi ouvido por alguém da organização que questionou -"Olha lá, já avisaste o pessoal que vai haver explosão do castelo? Ah bom!".


Desaparecido numa explosão que destruiu maior parte da vila, tornando-a indefensável, o castelo medieval foi vítima do desleixo que permitiu que um tiro certeiro incendiasse o paiol aí instalado. A tradição popular transformou esta história, manifestamente pouco abonatória para a honra da vila, numa outra em que um traidor vendeu aos franceses o segredo da existência de um túnel secreto que levava ao castelo.



O certo é que, se o impacto da batalha acabou por se diluir entre risadas dos espectadores devido aos diálogos, a explosão do castelo lá aconteceu e foi  impressionante, embora não tanto como o espectáculo musical e pirotécnico, logo a seguir, que culminou na apoteótica Overture 1812 de Tchaikovsky.



A apoteose final.

Em resumo, vale bem a pena visitar Almeida durante esta altura (aliás, qualquer altura do ano é boa) mas, em termos de recriação histórica, há ainda algumas arestas a limar de forma a permitir que, um dia, um frade e um cavaleiro se possam afrontar sem achar piada a isso.

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